UROLOGIACAU
CENTRO DE UROLOGIA E NEFROLOGIA
PETRÓPOLIS - CARLOS GOMES
Infecções urinárias não complicadas e recorrentes na mulher.
As relações entre os seres humanos e as bactérias que causam as infecções urinárias são extremamente complexas: tanto que é extremamente difícil estabelecer normas adequadas de prevenção.
Uma análise da literatura médica traduz essa complexidade. Há relatos de estudos com boa qualidade, porém com critérios diferentes de seleção e avaliação de resultados, o que geralmente permite comparar no máximo 4 a 5 desses trabalhos.
Incidência.
As infecções urinárias na mulher são extremamente frequentes. Ao longo da vida, cerca de 50% das mulheres apresentam um episódio de infecção e, aproximadamente pouco mais de uma em cada dez, apresentam uma infecção anual. Entre as mulheres que apresentam episódios anuais cerca de 25 a 30% terão uma recorrência da infecção.
A ocorrência de uma nova infecção não é um evento raro, tanto que a recorrência só pode ser definida nas mulheres que apresentam 3 infecções anuais ou duas infecções em um período de 6 meses.
Quais são os germes mais frequentes?
As infecções urinárias são geralmente causadas por ¨enterobactérias¨ e Estafilococo saprophyticus. As enterobacterias fazem parte de uma grande família de germes e várias fazem parte da flora intestinal normal. A Escherichia coli é o germe mais frequentemente envolvido, sendo encontrada em até 95% dos casos.
Como ocorrem as infecções?
As bactérias podem invadir a bexiga a partir do intestino ou da colonização prévia dos órgãos genitais e urinários. Nesses casos, se há recorrência da infecção, quase sempre será causada pelo mesmo germe. Infecções por germes diferentes podem ocorrer através da colonização prévia do intestino ou a partir do meio ambiente.
Inicialmente, o germe adere às células da bexiga, causando uma série de reações que ¨despertam¨ o sistema imunológico. Esses mecanismos que envolvem a aderência bacteriana e a sequência de eventos imunológicos podem ser determinados por fatores genéticos, explicando uma maior predisposição familiar. Em seguida, a bactéria invade a célula do epitélio da bexiga, desencadeando novos eventos que tentam eliminar o agressor. Entretanto, muitas vezes a bactéria pode se proteger criando uma espécie de ¨escudo¨; permanecendo silenciosa e inativa nas camadas mais superficiais ou profundas da bexiga. Esses focos remanescentes também podem explicar a recorrência das infecções, especialmente quando o germe envolvido for o mesmo.
Diagnóstico.
Devemos suspeitar de uma infecção urinária na vigência de sintomas recentes (novos) de ardência uretral, frequência e ou urgência urinária, dor abdominal e febre.
A urocultura (coleta de urina para avaliar o crescimento de germes) não é fundamental, apenas auxilia na escolha do tratamento adequado naqueles pacientes que não responderam ao uso de um determinado antibiótico. A presença de uma urocultura positiva na ausência dos sintomas indicativos pode indicar que o indivíduo é portador de uma condição conhecida como ¨bacteriúria¨assintomática.
A bacteriúria assintomática é uma condição comum, especialmente em mulheres idosas, muitas vezes é percebida apenas como uma leve mudança no odor da urina. Não deve ser tratada, pois em geral o tratamento causa mais problemas do que a presença do germe na urina. As tentativas de tratamento quase sempre causam algum problema em até 30% dos pacientes; mais frequentemente, o aumento da resistência bacteriana aos antibióticos.
Tratamento.
Os antibióticos são a primeira linha de tratamento para a infecção urinária, porém até 50% dos casos podem resolver espontaneamente, sem nenhuma medida terapêutica. Ainda que a resolução espontânea seja possível, mão é recomendável aguardar.
Deve-se utilizar preferentemente antibióticos com menor espectro (que atingem um número mais reduzido de famílias de bactérias) e em períodos não muito prolongados, diminuindo os riscos de desenvolvimento da resistência bacteriana.
Geralmente, cerca de 24 a 48 horas após a administração do antibiótico, há melhora ou desaparecimento dos sintomas, entretanto, se isso não ocorrer, podemos estar diante de um caso de resistência bacteriana ou de uma infecção complicada. Na primeira situação, a urocultura colhida previamente pode indicar se realmente o germe é resistente e fornecer informações para escolha da medicação mais adequada. Se houver suspeita de uma infecção complicada, a avaliação poderá incluir novos exames.
No período inicial, os sintomas podem ser aliviados com o uso de analgésicos urinários. Essas medicações devem ser evitadas durante períodos mais prolongados, quando já se esperaria uma ação efetiva do antibiótico.
Quais são os fatores de risco para resistência bacteriana?
O uso abusivo de antibióticos, muitas vezes sem critérios ou através de automedicação, é fator relacionado com o desenvolvimento de resistência bacteriana. Lembre que as bactérias intestinais ou do meio ambiente serão expostas às medicações.
Muitas vezes o médico é criticado, pois não administrou um antibiótico diante de um simples resfriado, preferindo aguardar a evolução do caso. Utilizar antibióticos de forma abusiva tem seu preço. Em várias partes do mundo algumas medicações simplesmente sâo inúteis.
Os fatores de risco para resistência são:
1. Idade maior que 65 anos.
2. História prévia de infecções do aparelho urinário.
3. Doenças médicas crônicas como diabete, doenças autoimunes e doenças respiratórias.
4. Hospitalização recente.
5. Tratamento recente com antibióticos.
6. Viagens para zonas onde há resistência conhecida.
O que fazer diante das infecções recorrentes?
Procure um médico.
Faça revisões periódicas com seu ginecologista; os problemas quase sempre começam fora da bexiga.
A história médica pode fornecer pistas sobre relação com a atividade sexual (cistite de lua de mel), técnicas sexuais, parceiros, disfunção miccional, doenças concomitantes, etc.
A disfunção miccional pode se manifestar através de vários sintomas como urgência para urinar, frequência, jato urinário fraco, jato interrompido, sensação de esvaziamento incompleto, mudanças na direção do jato, etc.
Vários fatores relacionados com a aderência bacteriana à bexiga e a sequência de eventos envolvidas nos mecanismos imunológicos tem relação com alterações genéticas. Frequentemente pode-se perceber uma relação familiar.
O exame médico pode revelar alterações suspeitas de distúrbios imunológicos e outras doenças associadas. No exame ginecológico, pode-se perceber estreitamentos do orifício uretral, distúrbios do assoalho pélvico (prolapsos, ¨queda da bexiga¨), áreas com aumento de sensibilidade, secreções, sinais de esvaziamento incompleto da bexiga, etc.
A ecografia das vias urinárias é um exame não invasivo que pode fornecer informações sobre o esvaziamento da bexiga, espessura da parece vesical, presença de cálculos e outras alterações. Deve-se considerar que o exame é extremamente dependente do investigador e possui baixa sensibilidade para algumas doenças do aparelho genitourinário.
Os exames radiológicos contrastados e a cistoscopia (exame endoscópico da bexiga) devem ser reservados para infecções complicadas, ou naqueles casos onde há persistência da bactéria.
Prevenção.
Prevenir é sempre melhor.
O uso de antibióticos é o método mais eficiente para prevenção, entretanto, devido ao surgimento de resistência bacteriana, essas medicações deveriam ser utilizadas após a utilização de outros métodos preventivos.
Medidas como beber muito líquido, urinar com frequência, urinar antes e após as relações sexuais, higiene íntima antes e após as relações, não fazer banhos de imersão com água quente, não usar meia-calça e outros não tem demonstrado um benefício consistente. Funcionando ou não, ninguém vai afirmar que bons hábitos de higiene são inúteis. Beber muito líquido, pode aumentar a frequência urinária, levando a uma necessidade de urinar mais vezes. Caminhar até o banheiro é uma das causas mais frequentes de quedas com fraturas em idosos.
Visite seu ginecologista regularmente.
Cranberry.
O Cranberry é uma frutinha bastante comum nos países do hemisfério norte. Teria sido usado pelos índios no tratamento das infecções urinárias.
É encontrado em suco, cápsulas ou envelopes. O suco pode não ser bem tolerado por pessoas que não toleram sua acidez ou que necessitam restringir o consumo de glicose.
Sua ação envolveria uma diminuição da aderência das bactérias às células da bexiga, através de proteínas conhecidas como proantociadinas do tipo A, porém seu mecanismo de ação não é completamente conhecido. Outras frutas são ricas em proantociadinas do tipo B, porém os efeitos não seriam comparáveis, mesmo em doses muito mais elevadas.
Há três espécies de Cranberry e não sabemos se os estudos realizados com uma espécie podem ser projetados para outras. Há inúmeros estudos analisando a eficácia da frutinha, entretanto muito poucos são realmente bem estruturados.
Uma revisão recente do Cochrane, uma organização internacional responsável pela análise de estudos médicos e publicação de evidências, não mostrou benefícios com o uso da frutinha. Essa revisão foi criticada, pois não incluía apenas estudos em infecções recorrentes.
Há evidências de que o Cranberry possui algum benefício preventivo, porém sua real eficácia deverá ser comprovada por novos estudos.
O Cranberry pode alterar a coagulação sanguínea e deve ser usado com cautela em indivíduo que fazem uso de anticoagulantes.
Melhorando a resposta imunológica.
As vacinas na sua forma convencional são ainda experimentais, com eficácia apenas em estudos experimentais realizados em animais.
Há duas formas de prevenção comercialmente disponíveis que possuem um princípio de ação ancorado na melhora da resposta imunológica.
O OM-89 (disponível no Brasil) é um produto que contêm antígenos de 18 tipos de Escherichia coli patogênicas inativas. Apesar da medicação já ser comercializada há mais de20 anos, sua eficácia pode ser avaliada através de poucos estudos; cerca de quatro. A medicação é administrada por via oral durante longos períodos, seguidos de pausas e novas doses e reforço e está associada com uma baixa incidência de efeitos colaterais como, cefaleia, distúrbios gastrointestinais e alergia.
O Urocac (marca registrada) é uma vacina de administração vaginal. Contêm 10 tipos de bactérias uropatogênicas. Diferente do OM-89, há outras cepas de bactérias além da Escherichia coli. Não está disponível no Brasil e aparentemente seus resultados iniciais não valeriam o esforço de tentar obtê-lo. Há necessidade de mais estudos para a avaliação de sua eficácia. Os efeitos colaterais são semelhantes ao placebo.
Lactobacilos.
Os lactobacilos fazem parte da flora vaginal normal. Secretam substâncias que interferem com a capacidade de “agressão” dos germes que causam as infecções urinárias. Esse equilíbrio entre germes patogênicos e germes “camaradas” faz parte do que chamamos de microbioma que é uma espécie de equilíbrio ecológico da flora vaginal.
São absolutamente desprovidos de efeitos colaterais, mas aparentemente não produzem qualquer efeito benéfico.
Reposição hormonal.
Vários problemas, encontrados em mulheres no período pós-menopausa, já foram correlacionados com deficiências hormonais. Há alguns anos, alguns estudos demonstraram que a administração de estrógenos estava relacionada com uma diminuição na recorrência das infecções urinárias e também estava associada a um aumento da colonização vaginal por lactobacilos.
Estrógenos orais.
As evidências de benefícios com o uso de estrógenos orais são inconstantes. Alguns estudos isolados demonstraram algum benefício, entretanto a média dos resultados indica que não há indicação para a prevenção de infecções urinárias recorrentes. Além disso, estrógenos orais estão associados com graves efeitos colaterais e devem ser evitados em mulheres mais velhas ou portadoras de doenças cardiovasculares.
Estrógenos vaginais.
A administração de estrógenos vaginais vem demonstrando um pequeno efeito benéfico na prevenção da recorrência das infecções urinárias. A aceitação da medicação pode ser comprometida por sintomas de irritação local e desconforto que podem acometer cerca de 20% das pacientes.
Outros métodos de prevenção.
O Angocin (marca registrada) é um fitoterápico não disponível no Brasil. Há apenas um estudo bem estruturado que indica um leve benefício. Outros estudos são necessários.
A D-manose é um açúcar que agiria primariamente afetando o mecanismo de adesão das bactérias às células da bexiga. Essa ação foi demonstrada em estudos com animais, entretanto sua real eficácia deve ser comprovada em estudos controlados. Há um grande interesse em avaliar associações de D-manose com outros métodos de prevenção, como a associação com Cranberry, já disponível comercialmente, porém com eficácia indeterminada.
A forscolina também foi estudada em animais e agiria através do aumento dos níveis de AMP cíclico, uma molécula importante nos processos fisiológicos da célula, incluindo às envolvidas no sistema imunológico. Sua eficácia em humanos deve ser comprovada através de estudos controlados.
Comer bem, a dieta anti-inflamatória.
Nosso intestino é um órgão extremamente importante do sistema imunológico. Alimentos inadequados podem irritar o intestino desencadeando deficiência de absorção de elementos essências ao organismo e também desencadeando respostas imunológicas muito graves, como as doenças autoimunes. Anticorpos gerados por esse processo podem agredir vários órgãos, incluindo a bexiga.
Na bexiga, pode haver inflamação e outras lesões. Células inflamadas do aparelho urinário são particularmente suscetíveis à infecção bacteriana.
Recentemente, a deficiência de vitamina D tem sido apontada como um fator de risco para a infecção bacteriana.
Dr.Paulo Roberto Sogari
CREMERS 10865